terça-feira, 27 de novembro de 2007

Futebol no canto do olho


Ao pensarmos o treino de futebol de jovens devemos ter sempre presente de que este é o melhor “laboratório”para o processo de ensino/aprendizagem.
Um laboratório que não precisa de grandes materiais, basta muitas vezes ter à disposição umas quantas bolas de futebol e uns cones sinalizadores para se atingirem objectivos elevados. No entanto, devemos distinguir aspectos de técnica individual, nomeadamente todos aqueles que se prendem com o desenvolvimento de capacidades coordenativas e condicionais, dos aspectos mais globais, tais como sentido posicional e táctico, contenção, desmarcação ofensiva ou recuperação defensiva.
Grosso modo, também o método de ensino será predominantemente analítico para as abordagens individuais, expressas na técnica de passe/recepção, remate com ambos os pés ou de cabeça, simulação ou finta e, global nos aspectos que envolvem cooperação e inter-ajuda, ou seja, jogo de equipa.
Nos dias de hoje, em que o futebol atingiu um estatuto de fenómeno global à escala planetária, cuja importância transcende as características de mero jogo para se fundir com aspectos mais complexos; culturais, económicos, sociais. Na era da informação e da tecnologia; não faltam abordagens, métodos, análises e estatísticas, que conferem a este jogo aparentemente simples, um carácter transdisciplinar, apoiado nas várias ciências sociais e exactas, como se o futebol aspirasse a ser ele próprio uma ciência.
É certo que hoje qualquer técnico bem formado e informado não dispensa o contributo da estatística e está inserido num processo de constante formação e actualização; de métodos de trabalho, de uso das “novas tecnologias”, para atingir patamares de excelência cujas fronteiras se diluem dia após dia na miragem quase utópica da perfeição. Porém o futebol tem na sua génese, na sua dinâmica, razões que a própria razão desconhece.
O jogador de futebol não é uma máquina programável capaz de escolher a solução óptima, a opção correcta numa velocidade robótica. Antes de mais ele é um Homem, que como todos os outros é feito de virtudes e defeitos, de sentimentos e de emoções.
Porque não é uma máquina, tornou-se comum os clubes de uma certa dimensão rodearem-se de psicólogos do desporto capazes de auxiliarem o atleta a superar uma série de problemas, hoje em dia muito comuns na profissão de futebolista, sejam a ansiedade, o stress, a incapacidade de lidar com o sucesso ou os problemas resultantes do facto de serem em muitos casos principescamente pagos e não saberem conviver da melhor forma com essa realidade.
Também no treino de jovens atletas a figura do psicólogo tem o seu lugar nos clubes ou escolas de nomeada, apoiando os jovens na construção de uma personalidade, na superação de dificuldades escolares e outros problemas do crescimento harmonioso e saudável.
O problema põe-se relativamente ao grosso número daqueles que não tendo no seu seio esta figura, muito menos técnicos competentes e bem formados, capazes de compreender, apoiar incondicionalmente e motivar os jovens atletas, prestam um mau serviço ao desporto, diria mais, correm o sério risco de traumatizar de forma irreversível os jovens, quando usam de linguagem imprópria, senão mesmo o palavrão ou a violência física como prática mais ou menos comum.
Não raras vezes presenciei episódios deste tipo, nomeadamente em competição e não menos vezes me interroguei sobre o efeito perverso desta prática na formação moral dos jovens.
Numa época em que a violência paira no desporto e fora dele como um virús, como uma praga sem solução à vista, é urgente inverter a ordem das coisas. Os jovens serão sempre o garante de um futuro melhor se neles depositarmos a confiança e os instrumentos capazes de lhes garantirem autonomia, formação pela autonomia e em liberdade. Não uma liberdade que se construa na arbitrariedade, mas uma liberdade responsável
Aos pais compete uma fatia importante desta responsabilidade. Na escola e fora dela, no desporto e na vida.
Como professor, sou muitas vezes confrontado com situações de pobreza e dói-me essa pobreza material, que muitas vezes inviabiliza as aprendizagens, mas dói-me ainda mais a pobreza intelectual, o desinteresse pela formação ética e moral dos seus filhos, colocando os pais muitas vezes na escola o ónus da responsabilidade, porque é mais fácil e cómodo atirar a culpa aos educadores, “sacudindo a água do capote”, como diz o povo.
No futebol jovem de competição, deverá interessar ao formador o desenvolvimento das capacidades dos atletas, o sentido colectivo, a solidariedade e a inter-ajuda, muito mais que os resultados e, não digo que estes não sejam importantes, são importantes na medida em que são o prémio justo do esforço, a recompensa de horas e horas de treino, o placebo que nos faz sentir a todos os envolvidos mais próximos da cura.
E a cura é sentirmo-nos vivos…

2 comentários:

benfica12 disse...

Temos que abraçar este projecto e viver cada momento como se fosse o ultimo... juntos, firmes, corajosos, unidos, com vontade de vencer, mas (não a todo o custo) com alegria, crescendo com ele, respeitando as regras, os colegas, adversários arbitros, directores, pais... ups!!! falta o coordenador, que é um tipo fixe.

José Torres disse...

Amigo Luís, essa é a minha vontade, e não quero vencer a todo o custo, quero tão só, pela minha experiência de vida, preparar estes fantásticos miúdos para o mundo hostil que os espera...com amizade e carinho.
A realidade não é o que queremos, é o que nos dão...